O facto de em maior ou menor grau ser necessário adoptar um programa de austeridade não dispensa a preocupação com todos os problemas do país e, acima de tudo, com a necessidade de tornar o país mais eficaz a todos os níveis. Mas o governo português não se ficou pela aplicação de austeridade, pretendeu adoptar um programa mais “arrojado” do que o contemplado no memorando de entendimento e até inventou desvios colossais para dar início a um ataque aos funcionários públicos que vai desaguar no maior despedimento selvagem na história de Portugal e, muito provavelmente, da Europa Ocidental.
O governo optou pelo três em um, regressar aos mercados, reformatar o país sem ter sido mandatado pelos portugueses e satisfazer os pequenos ódios de Passos Coelho. Para isso contou com a colaboração da troika que fez tábua rasa do memorando limitando-o às metas inicialmente estabelecidas. A Comissão Europeia foi mesmo mais longe e colocou o ollibull (o pitbull do comissário Olli Rehn), um tal Simon O?Connors a fazer ameaças sistemáticas ao povo português, sempre que este se manifestou contra o Gaspar o ollibull convocou uma conferência de imprensa para ameaçar o país com o não envio da próxima tranche financeira.
Portugal transformou-se no campo de testes das novas armas económicas da extrema-direita das escolas de economia, o programa de austeridade experimentado em Portugal é desproporcionalmente brutal e em dois anos destruiu mais tecido económico do que será possível criar numa década. Políticos fracos e economistas menores mas ambiciosos foram a combinação ideal para se formar um governo que prescindiu da soberania nacional emprestando o seu povo para experiências mengelianas no domínio da política económica. De nação passámos a ser um anexo nos papers de economistas duvidosos..
Tudo o que cheirava a Sócrates transformou-se num ódio de estimação do governo, quase todos os ministros e secretários de Estado praticaram o tiro à obra de Sócrates. A formação profissional, o Magalhães, a aposta na ciência, os investimentos em energias renováveis, a aposta na investigação, a simplificação e modernização do Estado, a modernização das escolas, tudo o que significava modernizar Portugal foi destruído em nome de um projecto de país que supostamente está na cabeça do grandioso líder Passos Coelho, uma espécie de co-adopção do Catroga e do Ângelo Correia .
A austeridade brutal não passa de um instrumento usado por Passos Coelho para impor a sua concepção ao país, um país onde os jovens qualificados estão a mais e devem emigrar, os funcionários públicos devem ganhar pouco mais do que uma empregada doméstica, os professores devem ser desvalorizados. Tudo o que é Estado ou Estado social deve ser destruído em favor de uma economia privada assente na mão de obra barata e pouco qualificada. Um país miserável, de gente miserável, com empresários miseráveis e governado por políticos igualmente miseráveis.
A austeridade é mais do que um meio ou do que uma opção ideológica, é um instrumento de transformação acelerada de um modelo de sociedade europeu num outro modelo que parece resultar de uma espécie de ódio a Portugal e aos portugueses. Portugal está para além do debate entre mais ou menos austeridade, este país não é um case study de política económica mas sim de experiências humanas e sociais que vão muito para além dos manuais de economia.