É uma pena que não haja um multiplicador de Keynes invertido, isto é, um multiplicador que começasse por gerar crescimento e receitas fiscais e só depois obrigasse a aumentar a despesa. Assim estaríamos seguros do sucesso de uma política assente na promoção do consumo, ainda que essa política não constitua mais do que a reposição da situação anterior o que , de acordo com os acórdãos do Tribunal Constitucional, corresponde à reposição da legalidade.
Portanto, quaisquer que fossem as consequências económicas e financeiras de uma promoção do consumo resultante da reposição da legalidade constitucional, essa política era uma obrigação legal, não decorre de opções ideológicas de perigosos economistas. O inverso sim que foi uma apropriação abusiva dos rendimentos de apenas alguns portugueses.
Mas é um facto que a política económica deste governo está condicionada pela escassez de recursos, escassez que resulta das dificuldades financeiras que condicionam o governo e das limitações institucionais ao défice nas contas do Estado. Isso significa que se o aumento da despesa não se traduzir num aumento das receitas fiscais e contributivas o Estado pode enfrentar dificuldades e o governo poderá ter que inverter algumas decisões.
É verdade que o cenário macroeconómico desenhado para avaliar as medidas de política económica dão algum conforto, mas também é verdade que se os modelos econométricos acertassem sempre o mundo seria bem mais feliz. Sucede na economia o mesmo que no futebol e a não ser que se confie na Santinha da Ladeira como parecia ser o caso de Pires de Lima, aqui os únicos prognósticos em que podemos confiar ão aqueles que são feitos depois do jogo.
É por isso que prefiro não concordar com o meu patrício e como seu daqueles que receiam que o diabo as tece de vez em quando acho que o governo deve tratar primeiro de arrecadar as receitas e depois proceder ao aumento das despesas, é como se o multiplicador de Keynes funcionasse ao contrário, como se fosse possível saber o prognóstico ainda antes do jogo.
Ainda que no plano dos princípios possa discordar de Mário Centeno a verdade e que o governo parece ter receio das diatribes do mafarrico e decidiu escalonar algumas medidas no tempo, esperando que a economia dê um empurrão nas receitas, enquanto o governo controla as despesas em gorduritas que tanto foram poupadas pela austeridade do mafarrico de Massamá.
A estratégia é inteligente mas mesmo assim acho que se pode ir mais longe e discordar, há condições para sem aumentar as taxas dos impostos ou sem mexer na TSU aumentar as receitas fiscais e contributivas. O sucesso da máquina fiscal nos últimos oito anos mostra que é possível ser eficaz no combate à evasão fiscal e que esta eficácia se traduz em importantes receitas fiscais. Quando comparamos este sucesso com o que sucede na Segurança Social com a cobrança de contribuições e recuperação de dívidas percebe-se que estamos num país a duas velocidades e que neste sector quase tudo está por fazer.
É possível financiar uma boa parte, senão mesmo a totalidade da reposição de salários e de pensões e a eliminação da sobretaxa com as receitas fiscais e contributivas arrecadadas em consequência da melhoria da eficácia no combate à evasão e fraude fiscais e contributivas. Nos últimos anos foi feito muito neste domínio, mas ainda está muito mais por fazer na modernização do fisco e da cobrança de contribuições da Segurança Social.
O regresso do país à normalidade constitucional e o fim de medidas abusivas da austeridade brutal adoptada pela direita está muito longe de ser uma questão de ordem ideológica e não será necessariamente o resultado de boas medidas de política económica, pode muito simplesmente resultar da competência política de um secretário de Estado, da competência técnica dos responsáveis pela cobrança de impostos e contribuições. Tão simples como isto.
Enfim, o facto de eu discorda de Mário Centeno nada tem de ofensivo para agora e em boa hora ministro das Finanças, resta agora que o ministro concorde comigo e enquanto o pau vai e vem reponha a máquina fiscal em andamento pois esta paralisada, apote na sua modernização e faça as escolhas de forma rápida e acertada. Não há tempo para os governantes fazeem estágios neste sector.