Aquilo a que temos assistido desde que uma organização da OMS disse o que já toda a gente sabia, que há uma relação entre o consumo de carnes vermelhas e uma elevada incidência do cancro colo-rectal, mostra bem como os poderes instituídos usam de todos os meios para manipular a opinião pública, pouco se importando que dessa manipulação resultem mais mortos e custos crescentes para o SNS, enre o lucro e a saúde pública optam pelo primeiro.
As mesmas boas almas que nos diziam que tínhamos de ser castigados por ter consumido demais, que asseguram que o SNS é insustentável, aparecem agora em defesa da indústria da vaca, usando as mesmas estratégias de comunicação e a mesma linha de argumentação que no passado foi utilizada pelo lóbi das bebidas alcoólicas, ou, pior ainda, pela indústria do tabaco. Também no consumo do tabaco os maiores amigos do consumidor é a indústria que produz um produto de grande qualidade, com grande controlo e o problema está nos produtos de contrabando ou nos excessos. Um bom charuto não faz mal a ninguém, argumento ainda onde repetido de forma criminosa por um jornalista escritor que fez a apologia do consumo das carnes vermelhas no programa Prós e Contras, da RTP.
A jornalista Fátima Ferreira decidiu usar o seu programa como se o cancro fosse matéria para prós e contras, convidou um painel de técnicos para explicar as conclusões da OMS e na ausência de técnicos capazes de defender o indefensável, convidou algumas personalidades que responderam à evidência com banalidades, piadolas e referências ao salpicão da avozinha de Trás-os-Montes. Enfim, durante a tarde um ministro que mais parecia um pregador evangelista exibia a sua origem transmontana como prova das virtudes da pobreza, à tarde um jornalista exibia o salpicão da avó como prova de que os que se preocupam com a saúde dos povos são uns exagerados, tal como no álcool ou no tabaco o perigo não está nas substâncias que se consomem, mas sim nos excessos.
A escolha de João David Nunes para contradizer os estudos e fazer a defesa da vaca foi mesmo apropriada, o homem é o símbolo nacional da vida saudável e como se sabe e um expert em nutrição. Márcio Alves Candoso fez a apologia do consumo moderado de tudo, colocando a culpa nos exageros, chegando a exibir como condenável o exagero na defesa da vida e de comportamentos saudáveis. Nem um, nem outro têm conhecimentos de saúde ou de nutricionismo que os habilitem a influenciar a opinião pública num campo em que está em causa a saúde de muitos portugueses. Mas a RTP escolheu-os de forma cirúrgica para desautorizar a opinião de médicos e responsáveis pela defesa da saúde dos portugueses.
A forma leviana como a RTP e muitas forças se movimentaram nos últimos dias em defesa de uma indústria que sobrevive à custa de fundos públicos e de elevados custos para a saúde, para o ambiente e para as contas públicas diz muito sobre a falta de honestidade de muitas entidades públicas. Fazem com a saúde, o mesmo que têm feito com a político ou noutros domínios da sociedade, manipulam em defesa de interesses, servem quem melhor lhes paga.