Se este governo cair não ficaremos perante uma mera mudança de governo, normal em democracia, uma queda deste governo terá consequências que irão muito além daquilo a que se tornou usual designar por alternância democrática. Para o bem ou para o mal este governo significa uma rotura com um status quo em que os sucessivos dirigentes de dois partidos parece terem combinado repartir entre si o poder e a gestão do Estado.
A CGD fica para mim e o BdP fica para ti, eu governo e tu presides, enfim, uma série de regras que ninguém escreveu, que o povo não aprovou, mas que parece terem tanta força como a Constituição, é de tal forma que a direita que nos últimos anos governou em confronto permanente com a Constituição exibe agora uma indignação descontrolado perante o desrespeito dessas regras.
Brevemente serão publicadas sondagens, umas certas e outras erradas, umas encomendadas por partidos para perturbar o jogo político e outras feitas com a intenção de informar. A direita vai querer saber se a sua estratégia aconselha a exigir eleições antecipadas ou a orientação do voto condena esta estratégia extremista, o BE não resistirá à tentação de ver se passou o PCP ou se perde votos, o PCP vai querer saber se perdeu ou ganhou.
Sabemos que apenas a direita se sente confortável em coligações, a esquerda não tem experiência neste capítulo, foram quase quarenta anos de história democrática onde os partidos da esquerda praticaram o canibalismo entre eles, favorecendo a direita, viabilizando os seus piores governos. Personagens como Durão Barroso e Cavaco Silva só existiram graças a este ódio que estimula o canibalismo, levando os partidos da esquerda a disputarem os votos dos outros partidos da esquerda em vez de persuadir os eleitores da direita.
A direita governou durante 48 anos graças a uma ditadura, depois do 25 de Abril já governou quase duas décadas graças à estupidez da esquerda. Não admira a azia que a direita esteja sentido, para gente como o Cavaco, Passos e Portas é um golpe, é uma fraude, é mesmo uma inconstitucionalidade a esquerda não ser estúpida até aqui. De repente gostam de Mário Soares e até se lembram do Jaime Neves.
Está em causa muito mais do que expectativas eleitorais de curto prazo, ganhar ou perder dois ou três deputados, com este governo e independentemente de quem o dirige ou de quem nele participa está em causa a credibilidade de toda a esquerda, se este governo falhar os que perderem menos nunca serão vitoriosos. É toda a esquerda que perde, é o estado social que perde, é um conjunto de valores consignados na Constituição que perdem. Se a esquerda falhar ganha a direita, ganha o seu projecto político.
Por isso este governo não pode falhar, os menos competentes terão de ser mais competentes, os menos honestos terão de ser mais honestos, os mais capazes terão de ser ainda mais capazes e os deputados que os apoiam ou que acordaram não o derrubar terão de ser ainda melhores deputados. Nunca a direita se confrontou como a esquerda, a esquerda parte em vantagem porque está no poder e só perderá se for incompetente.