quarta-feira, janeiro 06, 2016

Bancos protegidos à custa da demagogia?

 photo _direito_zpsfyv1kphp.jpg

Todos impedem os credores públicos (Fisco e Segurança Social) de venderem as casas dos devedores. Os projetos do PS e do BE deixam os credores privados de fora (por exemplo Bancos, seguradoras, empresas de telecomunicações, energia e outras), que assim podem continuar a vender as casinhas dos pobrezinhos. O projeto do PCP mantém-se cuidadoso com os Bancos, mas admite também que possam ser impedidos de fazer a venda das casinhas.

Esta questão das penhoras de casas de habitação diz muito sobre a forma como os nossos políticos pensam e como alguns interesses são protegidos. Muito preocupados com o direito constitucional à habitação, ainda que não se questionem sobre os muitos que não têm casa própria, os nossos políticos vão colocar travões ou mesmo impedir as penhoras ou vendas de casas de habitação em consequência de dívidas fiscais.
 
Não faz sentido que o Estado venda uma habitação em leilão por causa de uma dívida insignificante e ainda faz menos sentido que a lei transforme o fisco em homem do fraque e o montante remanescente resultante das vendas sirva para pagar as dívidas dos credores privados, em particular dos bancos. Em muitos casos de vendas de habitações os bancos são os grandes beneficiários pois a maior parte do montante da venda serve para pagar-lhes as dívidas.
 
Se o fundamento comum às propostas é a protecção do direito constitucional à habitação e a uma vida digna, pelo que se fica a saber que graças a um direito constitucional à habitação e a uma vida digna um cidadão que não cumpre com as suas obrigações fiscais fica dispensado de as cumprir. Fica-se também a saber que o direito constitucional à habitação apenas protege os que têm habitação própria, já quanto aos moram debaixo da ponte não parece merecerem a preocupação dos nossos deputados.
 
Mas mais grave do que isso é que depois daquilo que se tem visto na banca sabe-se que os deputados acham que os direitos da banca a receber as suas dívidas já não colidem com o direito constitucional à habitação e à vida digna. Isto é anedótico, aqueles que por terem uma barraquinha um pouco mais cara já não têm o direito constitucional à habitação e à dignidade e são obrigados a pagar essa overdose de IRS chamada sobretaxa, podem suportar o financiamento dos banqueiros falidos mas se lhes deverem um tostão são penhorados em defesa do sacrossanto direito da banca!

Se está em causa um direito constitucional à habitação e à dignidade então esse fundamento exigiria que se impedissem também os credores privados de fazerem a venda desses bens na execução das dívidas de que são credores. Por três razões:

i) A proibição torna-se ineficaz, porque normalmente quem tem dívidas ao fisco e à SS também as tem a credores privados, que assim vão continuar a poder vender as casinhas;

ii) Quando o credor é privado e não consegue cobrar as suas dívidas, é ele próprio (ou os seus accionistas) que suporta a perda, mas quando o credor é o Fisco ou a Segurança Social, quem suporta a perda pela incobrabilidade são os outros contribuintes ou os pensionistas; isto é, o governo protege a banca em prejuízo dos contribuintes que não têm direito constitucional à habitação, à dignidade, ao vencimento e a pagar um único IRS;

iii) Esta medida não se aplica aos credores privados por causa dos bancos, cuja única garantia de cobrança dos respetivos créditos hipotecários é a penhora e venda das habitações dos seus clientes. Dado o volume de crédito à habitação própria, o impedimento das penhoras e vendas representaria uma enorme quebra de garantias nos respectivos balanços.

Até se pode concordar com o princípio subjacente à medida, mas havia formas mais inteligentes de resolver o problema. Além disso fica-se sem saber a partir de que rendimentos ou de valor da casa própria os portugueses deixam de ter direitos constitucionais como o direito à igualdade, o direito à habitação, o direito à dignidade ou o direito a não ser forçado a pagar dois impostos sobre o rendimento.

O que nos tempos que correm é inaceitável é que se protejam os interesses dos credores privados do incumprimento de alguns, que se protejam os interesses de quem não paga os seus impostos e que o Estado fique a arder com as dívidas, só porque outros contribuintes hão-de pagar por eles e ainda financiam os buracos dos bancos. E é estranho que estes projetos que a AR vai aprovar, protejam os bancos e não protejam os contribuintes que pagam os seus impostos, que são sempre as vítimas destas medidas.