E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando:
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Luís de Camões
Não me parece importante explicar aos jovens quem foi Soares, mais tarde ou mais cedo vão perceber a diferença entre eles e os jovens que iam para a guerra, vão perceber que neste país só se tirava a carta aos 21 anos, mas podia-se ir para a tropa aos 18 e para a guerra menos de seis meses depois. Qualquer português sabe os nomes de grandes portugueses de que se lembram e ignoram muitos outros, sabem que de uns os nomes permanece na memória por bons motivos, enquano outros persistem em recordar-nos os canalhas que foram.
Um dia muitos destes os que hoje são jovens irão perceber que a liberdade e a democracia nem sempre foram tão natural como o ar que respiramos, que para se protestar e ser solidário com os outros não basta ter disposição para isso, que nos seus valores e princípios há muito da vida de Mário Soares. É isso que distingue Soares de outros políticos, em cada um de nós há muito do Mário Soares, é como se o político ganhasse a eternidade no nosso DNA de cidadãos.
Em todos nós há muito dos nossos pais, há um bocado importante do que foi a nossa história e há bom bocado de Mário Soares e de todos os que deram o seu melhor pelos valores que hoje nos dão a identidade pessoal e nacional. O mesmo não sucede com outros políticos menores, não temos nada deles e dentro de alguns anos estarão esquecidos. Os nossos jovens conhecem os políticos de hoje, mas um dia vão começar a esquecer a maioria deles e a perceber como homens como Mário Soares estão entranhados em nós e na nossa história.
Talvez um dia se explique nas aulas de história que uma Nação não é feita só de descobertas e de caminhos marítimos, de batalhas com os vizinhos de Espanha ou com jovens reis desastrados em busca de glória em terras de Alcácer Quibir. Desde o século XIX que o progresso não se mede apenas em conquistas e impérios, mede-se também em valores. Não só os soldados que chegam a heróis, são os que colocam as suas capacidades ao serviço da democracia.
No século XXI não faz sentido falar de progresso sem democracia, já lá foi o tempo em que muita gente neste país se calava a troco de uma falsa estabilidade, um tempo em que o nosso DNA transportava demasiada cobardia, conformismo e até pequenez. Se perguntarmos aos nossos jovens se concebem uma vida sem democracia a resposta será um não bem mais firme do que o nosso e ainda mais do que seria o dos nossos pais e avós.
É isso que devem a Mário Soares, talvez não o saibam mas um dia vão perceber isso, vão perceber que aos heróis das descobertas, aos que restauraram a independência nacional e a outras grandes figuras da nossa história, teremos de acrescentar as grandes figuras da democracia, aqueles que lutaram pela democracia. Então os nossos jovens saberão que Mário Soares foi mais do que um político do nosso tempo, foi um dos grandes da história de Portugal, um dos poucos portugueses que inscreveram o nome na história da Europa pelos melhores motivos e pelos valores mais nobres.