segunda-feira, janeiro 09, 2017

Umas no cravo e outras na ferradura




 Jumento do Dia

   
Jerónimo de Sousa

O comunicado do PCP sobre a morte de Mário Soares não tem qualquer título de homenagem, mais parece uma directiva ideológica, recorrendo ao típico "face" muito comum nas posições ideológicas do movimento comunista dos bons velhos tempos. O PCP não presta homenagem a Mário Soares, em vez toma uma posição político-ideológica sobre Mário Soares. Uma posição pobre, omissa e pouco digna.

Tem três parágrafos, começa por esclarecer que o PP já falou com a família, não vão os portugueses pensar que o PCP não tem educação. No segundo parágrafo faz um micro currículo de Soares, como que a justificar o trabalho de fazer o comunicado. No terceiro parágrafo faz-se um julgamento sumário daquele que no entender do PCP se opôs ao rumo da Revolução de Abril e às suas conquistas, designadamente a soberania nacional.

Se era para escrever isto era bem melhor que Jerónimo de Sousa tivesse dedicado o seu tempo a umas partidas de matraquilhos numa tasca de Santa Iria, se era para mandar uma figura secundária assinar o livro de condolências, mais valia que lá não fosse ninguém.

Bastaria recuar no tempo para se ver como Mário Soares, a esquerda democrática e até muitas personalidades de direita prestaram homenagem a Álvaro Cunhal, realçando a dimensão do homem, desvalorizando divergências e esquecendo ódios e batalhas antigas. É a diferença entre quem tem e quem não tem grandeza. O PCP perdeu uma boa oportunidade de ter grandeza.

«face ao falecimento do Dr. Mário Soares

O Partido Comunista Português, face ao falecimento do Dr. Mário Soares já apresentou directamente ao Partido Socialista e à família as suas condolências.

Mário Soares, fundador do Partido Socialista, seu Secretário-geral, personalidade relevante da vida política nacional, participante no combate à ditadura fascista, no apoio aos presos políticos, desempenhou após o 25 de Abril os mais altos cargos políticos, designadamente como Primeiro-Ministro, como Presidente da República e membro do Conselho de Estado.

Lembrando o seu passado de antifascista, o PCP regista as profundas e conhecidas divergências que marcaram as relações do PCP com o Dr. Mário Soares, designadamente pelo seu papel destacado no combate ao rumo emancipador da Revolução de Abril e às suas conquistas, incluindo a soberania nacional.» [PCP]

 Passos Coelho esteve bem

Depois de tudo o que Mário Soares disse dele e dos seu governo Passos Coelho esteve à altura das circunstâncias, falou de Soares da forma que devia falar, sem ressentimentos, sem afirmação de divergências e sem julgamentos sumários. Depois disso assinou o livro de condolências na sede do PS, de onde saiu sem protagonismos jornalísticos oportunistas, numa demonstração de respeito.

Desta vez tenho de tirar o chapéu a Passos e dizer a Assunção cristas e a Jerónimo de Sousa que aprendam com o líder do PSD como se presta homenagem a um grande estadista de quem temos ou podemos ter ressentimentos, com um qual travámos lutas. é de uma grande pequenez afirmar divergências como fez a Assunção Cristas ou o PCP, ninguém está a pensar que Cristas é afilhada política de Soares ou que o falecido líder do PS se arrependeu de ter abandonado o PCP, a que aderiu enquanto jovem.

Presta-se homenagem e pronto, é quando basta e quanto se deve fazer. Mário Soares não fez anos, não teve mais um neto, Mário Soares morreu e merece que aqueles que com ele ou contra ele lutaram se comportem com dignidade.

 Costa devia interromper a visita à Índia?

Costa está na Índia ao serviço do país numa visita de Estado de grande interesse para os dois países, a índia é um dos países do mundo com o qual deveríamos ter melhores relações, pelo passado comum de vários séculos. a índia é um dos maiores mercados do mundo e uma das economias que mais cresce. A Índia é um dos países do mundo que mais nos dizem no plano histórico e cultural.

A ida de António Costa é uma oportunidade para lançar um novo ciclo nas relações entre Portugal e Índia, em consequência das relações familiares de Costa para com aquele país é uma oportunidade única. Face à dignidade com que a Índia tratou o primeiro-ministro de Portugal e com uma comitiva de vários ministros e dezenas de empresários, seria ridículo se Costa interrompesse a viagem só para vir a Lisboa ficar na fotografia.

Portugal é uma República, está cá o Presidente da República e s´+o os mais idiotas é que acham que este cenário não foi equacionado entre o Presidente da República e o primeiro-ministro. É óbvio que foi, é óbvio que esta viagem foi preparada até ao mais pequeno pormenor, é óbvio que todas as possibilidades foram previstas e a resposta já estava preparada. Tudo isto é tão óbvio, como também o é que todos os jornais tinham edições e artigos ja´escritos, prontos a serem publicados no dia em que Soares partisse.

Deixem-se de hipocrisias, é imoral que aqueles que nunca falaram bem de Soares, o difamaram, que sobre ele fizeram insinuações, venham agora verter lágrimas de crocodilo enquanto questionam a continuação da visita de António Costa à Índia. Costa fez bem em continuar, fez bem em homenagear Soares, dando continuidade à sua aposta nas relações com a Índia que ficaram esquecidas durante décadas, a melhor forma de se homenagear Soares é sendo sério, é sendo um político e não um mero politiqueiro.

 Lembram-se do sobretudo verde?


Portugal é um país de seguidores, no MRPP todos tinham um bigode como o Arnaldo matos, no PCP todos tinham o sotaque típico de quem tinha estado exilado na Checoslováquia e ainda hoje, personalidades como Vital Moreira têm uma entoação de voz que quase ressuscita o Álvaro Cunhal.

Freitas do Amaral sempre usou grandes sobretudos verdes, os chamados loden verdes, nas eleições presidenciais de 1986 não tardou a que uma  boa parte do PSD e do CDS adoptasse o loden como se fosse uma farda. Até no meu gabinete tinha um colega que andava todo garboso no sobretudo à Freitas do Amaral. O sobretudo verde estava para os apoiantes de Freitas, como a moca estava para os latifundiários no verão quente, era um símbolo de classe.

Onde estarão os velhos sobretudos verdes, quantas bolas de naftalina terão sido gastas depois de Freitas ter perdido as eleições presidenciais de 1986?

 O melhor de todos nós

Ainda hoje me interrogo o que seria Portugal sem Mário Soares, hoje o espectro partidário seria muito diferente, o desfecho do processo iniciado em 25 de Abril poderia ter sido muito diferente. O CDS existiria, Portugal estaria na UE, o PCP estaria legalizado? É impossível responder a estas interrogações, apenas podemos concordar que muita coisa teria sido diferente. Mário Soares foi o único político respeitado pela democracia americana ao ponto de mudar a posição de um homem influente como Kissinger. Foi também um dos grandes da Europa e isso mudou são sído Portugal, como a própria Espanha.

A melhor homenagem que lhe foi prestada talvez tenha sido a dos seus opositores. O comunicado do PCP atribui-lhe grandes responsabilidades na travagem daquilo a que aquele partido chama rumo da revolução de Abril. Para o PCP Soares é o grande culpado de vivermos nesta democracia que aquele partido considera um mal menor, bem como a perda de soberania resultante da integração europeia.

Muitos colonialistas empedernidos continuam a acreditar que mantendo a guerra em África à custa de o envio de mais contingentes permitiria impor aos movimentos independentistas uma solução do tipo rodesiano. Não questionam o papel de Durão Barroso e outros, que no MRPP lançaram um movimento contra o envio de mais contingentes paras colónias, o seu grande inimigo não foi o PCP que tudo fez para que a solução fosse a que ocorreu, o mal está naquele que fundou a democracia. 

Assunção Cristas que lidera um partido que Soares salvou mais de uma vez esqueceu-se desta dívida e fez como o PCP, realçou as divergências e falou de Soares como se tivesse ao seu nível. Aliás, uma boa parte da direita escondeu-se atrás de Mário Soares, mas passou depois mais de trinta anos a difamá-lo, a lançar insinuações, até mesmo a perseguir aqueles que lhe eram próximos, quer no Estado, quer nas forças armadas.

O problema deles é que Soares não foi o que eles queriam que fosse, não deu cobertura ao rumo decido pelo PCP e pela URSS para a "Revolução de Abril", não sustentou soluções neocolonialistas para África, não permitiu que a ala liberal do regime se disfarçasse de partido português da Internacional Socialista, como tentou Sá Carneiro.

Se Soares não tivesse criado o Partido Socialista no pós 25 de Abril existiria apenas a esquerda conservadora, a ANP disfarçada de PDC ou de CDS e a ala liberal da ANP disfarçada de social-democracia. Se Soares não tivesse dado a cara a direita teria cedido pois Sá Carneiro nunca teve a coragem necessária para fazer frente ao PCP. Se Soares não tivesse pedido a adesão não teriam sido os herdeiros do isolacionismo que colavam cartazes do PSD com a frase "Portugal connosco" que teriam pedido ou conseguido a aceitação na CEE.

Portugal não seria o mesmo que é hoje e muito provavelmente nem o modelo judicial seria aquilo que é, porque muito provavelmente aqueles que hoje usam os poderes judiciais da forma que sabemos, não teriam um MP com a configuração daquele que temos. Aliás, isto conduz-nos a uma nova pergunta: se Soares fosse um político de hoje qual seria o seu futuro? A resposta a esta pergunta é mais fácil, muito provavelmente a sua Fundação estaria a ser investigada, os seus amigos estariam a ser sistematicamente escutados e, muito provavelmente, iria passar um ano em Évora.

      
 O melhor de todos nós
   
«Não tinha esta crónica pronta. Os meus amigos e camaradas do jornal bem me tinham avisado para a escrever; a morte de Mário Soares era uma questão de dias e seria importante tê-la pensado com tempo e cuidado, pronta para este dia. Sentei-me mais de uma vez para a escrever mas fui incapaz: não conseguia imaginar o meu mundo sem ele. Desde que me conheço que ele fazia parte da minha vida. Lembro-me de o ver chegar a Portugal depois do 25 de Abril com a minha avó a bater palmas em frente ao televisor; de ir pela mão do meu pai à Fonte Luminosa, porque era nele e só nele que confiávamos para lutar contra outra ditadura; recordo-me do debate televisivo com Cunhal; tenho fresca a memória de ele ser primeiro-ministro na cerimónia de adesão à CEE; de gritar contra ele nas eleições em que enfrentou o meu candidato Freitas do Amaral; de me arrepender de não ter votado nele; de o perceber muito bem quando não apoiou Ramalho Eanes. Podia, claro, continuar por páginas e páginas, tantas foram as vezes em que ele esteve presente na minha vida e na de nós todos - pessoalmente, deu-me a maior honra que tive.

Comecei a admirá-lo profundamente já numa fase adiantada da minha vida. Não me lembro de ter votado nele, mas lembro-me de ele me ter irritado, de pensar que ele estava enganado. Enervava-me aquilo que me parecia uma certa displicência, a bonomia em excesso. Disse-lhe isso uma vez e ele respondeu-me que esperava que eu votasse nele nas eleições seguintes (tinha 90 anos) e que esperava que eu já não me levasse tão a sério: tinha razão.

Não o compreendi demasiadas vezes e, no entanto, na maioria das vezes, muito depois, percebi que ele tinha quase sempre razão. Talvez só tarde tenha percebido que há mesmo gente maior do que o mundo e que esses são sempre difíceis de entender na juventude, possivelmente porque nessa idade estamos muito presos a convicções ideológicas, porque vemos o mundo a preto e branco. E Mário Soares era tudo menos alguém unidimensional, não era um homem de trincheiras, era sim um homem que conseguia ver o ângulo contrário.

Por outro lado, como é que eu podia escrever antes de ele morrer se não conseguia imaginar que alguma coisa o pudesse derrotar definitivamente. Para mim, era eterno. Não derrotável. Uma batalha perdida servia apenas para lhe dar mais força para a seguinte.

Um homem contraditório, que se zangava com amigos de toda a vida e que fazia de adversários de ontem amigos de hoje, mas que nunca se referia a ninguém como inimigo. Consciente de que as alterações do mundo e das circunstâncias mudam as nossas ações e até, muitas vezes, a maneira como vemos os outros, princípios e convicções. Mas sempre como primeiro combatente dos grandes valores da democracia e da liberdade.

Não vou discorrer sobre o seu papel na história, nem repetir o que muitos melhor do que eu dirão dos seus contributos únicos para Portugal e para o mundo. Só lembro que é um dos nossos grandes, um homem que marca os séculos XX e XXI portugueses e que nenhum compêndio sobre a nossa história nos próximos mil anos pode deixar de ter em lugar cimeiro. É também o único português que tem um lugar de honra na história europeia. Não podia assim deixar de ser, era um homem do mundo.
Muita gente próxima de Mário Soares fala do seu profundo amor pela vida. Dizia muitas vezes que nunca tinha acordado maldisposto, que nunca tinha tido uma depressão, que sempre tinha tido uma enorme alegria no que fazia.

Recordo-me de ele confessar na sua biografia, por exemplo, o seu gosto pela política. Mas o que ele respirava era um profundo amor pela vida. Pelos seus prazeres, pela sua imprevisibilidade, pelos seus desafios. Só um homem que ama a vida como ele a amava consegue amar a liberdade. Só quem vive, como ele viveu, vivendo cada minuto com toda a intensidade, como se cada segundo fosse decisivo, percebe quão valiosa é a liberdade. E foi essa a sua batalha constante. Combatida com uma coragem física impressionante, com uma generosidade única, com a força que só o profundo amor a alguma coisa permite.

Quando alguém morre não choramos só por quem nos morre, choramos também por nós. Porque fica um buraco, um vazio que não pode ser preenchido por mais ninguém. É aquilo que não podemos recuperar, aquilo que não voltaremos a ter que, em grande parte, choramos.

Com a morte de Mário Soares, ficamos em muitos sentidos órfãos. Mas temos de admitir que ele merecia descansar. Teve uma vida cheia. Uma vida rica. Uma vida que valeu a pena ser vivida. E a sorte que tivemos que a tenha vivido connosco!

Quem não é esquecido não morre, e devemos demasiado a Mário Soares para alguma vez o esquecermos. Nós, os nossos filhos, os nossos netos. Soares é fixe, mas é sobretudo eterno. E deixa connosco a responsabilidade de levarmos mais longe o combate de uma existência: pela liberdade, pela democracia, pela cultura, pelo Portugal que tanto amou e a que ajudou a dar forma, e que ainda hoje exige de nós um compromisso pessoal sem hesitações.

Obrigado, Mário Soares.» [DN]
   
Autor:

Pedro Marques Lopes.

      
 Mário Soares no Panteão Nacional
   
«Só em 2037 o Parlamento pode aprovar a trasladação de Mário Soares para o Panteão Nacional. Uma alteração à lei, em maio do ano passado, subiu de um para 20 anos o período mínimo para que as honras de Panteão possam ser concedidas.

Foi um voto unânime. Depois de o Panteão Nacional ter passado a acolher os corpos de Amália Rodrigues (em 2001, três anos depois da morte da fadista), de Sophia de Mello Breyner (que tinha morrido em 2004 e foi transferida dez anos depois) e de Eusébio (em 2015, um depois da sua morte), o Parlamento aprovava uma alteração à lei que define e regula as honras de Panteão. As trasladações passaram a ser possíveis apenas 20 anos depois da morte das pessoas distinguidas.

O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, notou essa alteração significativa quando promulgou o diploma. “Apesar da ausência de outros locais passíveis de honras de Panteão Nacional, por paralelismo nomeadamente com Santa Maria da Vitória, como Alcobaça ou São Vicente de Fora, e da modificação significativa do prazo para a concessão de tal honra, atendendo ao voto unânime da Assembleia da República, o presidente da República promulgou o decreto da Assembleia da República que altera o regime que define e regula as honras do Panteão Nacional”, assinalava a nota publicada no site da presidência.» [Observador]
   
Parecer:
Enquanto estiverem vivos portugueses que se lembram de Mário Soares os seus restos mortais devem ficar com o seu povo e onde qualquer cidadão se possa deslocar facilmente.
   
Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Desaprove-se.»