Jumento do Dia
A decisão de António Costa de manter a visita de Estado à Índia é uma decisão política pessoal do primeiro-ministro, que terá certamente medido todas as consequências e interpretações. dizer que Mário Soares ficaria contente, ou lembrar que Mário Soares foi ministro dos Negócios Estrangeiros sugerindo que isso o ajudaria a compreender a decisão cai no domínio do ridículo.
Augusto Santos Silve perdeu uma excelente oportunidade de ficar calado, um problema que este ministro tem tido com alguma frequência nos últimos tempos. Em primeiro lugar porque não olhe cabe dar explicações e muito menos fundamentar decisões nas supostas opiniões que teria Mário Soares se fosse vivo e estivesse a a assistir na primeira fila à suas cerimónias fúnebres. Não é competência do ministro interpretar o pensamento de Mário Soares, dos filhos talvez, de Augusto Santo Silva é que não, tanto quanto se sabe a sua intimidade com Mário Soares não o autoriza a tanto. Em segundo lugar porque é ridículo o ministro achar que lhe cabe dar uma explicação duvidosa para uma decisão do primeiro-ministro, António Costa foi claro e os acrescentos opinativos do ministro eram desnecessários, além, de terem sido inconvenientes.
«Sobre a permanência da comitiva portuguesa na Índia, o ministro dos Negócios Estrangeiros disse desconfiar que se “Mário Soares soubesse ficaria contente com esta decisão”. “Ele sempre pôs os interesses do estado, da nação e dos portugueses acima de quaisquer outros”, disse Santos Silva, que se encontra em Nova Deli com António Costa.
“Estamos a iniciar uma vista de Estado que é muito importante. A visita de Estado tem momentos políticos que são determinantes e julgo que faz sentido”, afirmou, recordando que Mário Soares foi ministro dos Negócios Estrangeiros e que participou no restabelecimento das relações diplomáticas com a Índia. “Portanto, julgo que ele se sentiria perfeitamente a vontade.”» [Observador]
Mário Soares deixou-nos e deixou-nos tudo
«Mário Soares não levou nada com ele. Deixou tudo connosco. É essa a maior generosidade que uma pessoa pode ter: querer tudo para os outros e dedicar a vida a lutar por isso — e por nós.
Mário Soares não se importava que não gostassem dele. Ia em frente, achassem o que achassem. É essa a coragem maravilhosa que deixou: serviu de exemplo da liberdade mais importante de todas, que é a liberdade de sermos como somos e acreditarmos no que acreditamos.
Até ao fim da vida, Mário Soares exerceu essa liberdade da maneira mais desobediente, imprevisível e desconcertante. Falava alto quando queríamos que se calasse. Quanto mais queríamos que se calasse, mais alto falava.
Mário Soares foi um rebelde e um inconveniente. Era um grande erro tratá-lo com condescendência ou passar-lhe a mão pelo pêlo. Ele reagia com arrogância não só à arrogância como aos excessos de humildade. Não era nenhum santo, graças a Deus. E nunca nos deixava esquecer isso.
No final de cada batalha — a grande maioria das quais perdeu descaradamennte — Mário Soares parava para dar lugar aos vencedores, saudando-os de igual para igual, como se também tivessem perdido.
Pouco importava na estima dele. Mário Soares era uma pessoa profundamente civilizada e humana. Revia-se nas fraquezas que todos herdamos mas poucos reconhecem. Era mimado mas recusava-se a mimar. Respeitava os outros não porque os outros tinham alguma coisa de especial — mas porque não tinham. Eram seres humanos, cidadãos, compatriotas. E isso chega. Isso deveria sempre chegar se todos nós tivéssemos a ideia generosa de democracia que Mário Soares tinha, pôs em prática e deixou para que nos habituássemos a ela e fôssemos, por nossa vez, libertados por ela.
Mário Soares deixou a pessoa dele nas gerações de camaradas e opositores que ele directa ou indirectamente inspirou. Podemos não reconhecer essa dívida — tanto faz. A liberdade de cada um de nós não cai nem cresce por causa do mal ou do bem que pensamos dela. É essa a única liberdade valiosa: a que não depende da nossa aceitação; a que é
independente da nossa vontade de exercê-la ou reprimi-la.
Pode-se dizer mal de Mário Soares, o mal que se quiser. Não há nada que ele não tivesse ouvido em vida — e verdadeiramente tolerado, não com sobranceira indiferença, mas com o respeito democrático que vem dar ao mesmo. Encolher os ombros faz parte da liberdade. Foi Mário Soares que nos ensinou isso, tanto quando ergueu o punho como quando encolheu os ombros.
Mário Soares era o político que era uma pessoa. Recusou-se sempre a ser um salvador ou uma figura acima da multidão. Ele era o político que era de um partido — o Partido Socialista — e com muita honra. Ele era um laico convicto, capaz de dar tudo pela liberdade religiosa de todos aqueles que têm religiões diferentes da grande maioria. Ele era um republicano honrado que sabia falar com monárquicos, que os monárquicos respeitavam por ter sempre consciência de que tudo depende
sempre do que sente cada um de nós e que as nossas crenças, nunca sólidas ou imutáveis, são tão nossas como a nossa humanidade.
É essa semelhança no que nos distingue que nos dá razão para acreditar na humanidade e em ideais tão antigos e modernos como a liberdade, a fraternidade, a justiça e o progresso económico, social e político.
Mário Soares era um revolucionário burguês. Os burgueses criticaram-no por ser revolucionário e os revolucionários criticaram-no por ser burguês. Era por isso que ele é tão refrescantemente moderno: ainda não nos aproximámos do que ele queria para nós.» [Público]
Autor:
Miguel Esteves Cardoso.
A posição ridícula do CDS
«Numa breve nota enviada pelo CDS às redações, a líder do partido Assunção Cristas fala no “papel único” de Soares “na definição do Portugal democrático e europeu”. Mas também fala nas diferenças políticas, não esquecendo, porém, o “papel fundador” do socialista na democracia portuguesa.
Em muitas alturas o CDS teve grandes divergências políticas com o Dr. Mário Soares, mas não esquecemos o seu papel fundador no Portugal Democrático, especialmente no difícil período revolucionário em que se opôs à hegemonia política e totalitária – e em que, tendo vencido, ajudou a democracia a vencer e a ser consolidada em Portugal.”
A líder centrista apresenta em nome do CDS “sentidas condolências à família e aos amigos do Dr. Mário Soares”.» [Observador]
Parecer:
A posição oficial do CDS sobre a morte de Soares é ridículo, é de uma grande imbecilidade lembrar as diferenças que ainda bem que sempre existiram. O que o CDS se esquece de dizer é o quanto o CDS deve a Soares.
Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Lamnete-se tanta pobreza de espírito.»