Entre gorjetas para a Lusoponte e as habituais alvarices o país quase não deu importância a uma das mais importantes intervenções políticas feitas desde as últimas intervenções. Não se tratou de qualquer inconfidência do ministro alemão das Finanças, de uma bicada de pingue pongue do Cavaco Silva ao Passos Coelho e muito menos qualquer um dos discursos vazios de Passos Coelho. Foi o discurso de cinco minutos que Vítor Gaspar pronunciou nas comemorações do 498.º aniversário do município de Manteigas.
Aliás, tudo o que Gaspar diga é para ouvir com atenção, é ele que manda no país, que controlo tudo o que Passos Coelho defende, que reduz qualquer superministério a uma mera secretaria de Estado e que promove a política económica que bem entende e está-se nas tintas para o que Passos Coelho defendeu no passado, para o que a Manuela Ferreira Leite opina ou para o que Cavaco Silva defende.
Mas reduzir o Gaspar a uma personagem transitória a quem cabe ser o executor das medidas decididas pela troika é um erro, o ministros das Finanças não só atropelou o seu colega Álvaro, como ultrapassou o primeiro-ministro e desprezou as instituições do país, como é ele que já dita à troika as atualizações do memorando segundo o que ele pensa que o país deve ser.
Gaspar é muito mais do que uma invenção de Passos Coelho que ganhou vida, é a emanação de um pensamento económico, político e religioso com raízes profunda no ruralismo português e que no passado já custou a Portugal o empobrecimento forçado do qual resultou um atraso histórico em relação à Europa, para além de 48 anos de ditadura, boa parte dos quais conduzidos por um iluminado pelos mesmos valores que iluminam o Gaspar.
Este ruralismo onde se misturam os tiques autoritários, com os valores religiosos com origem nas beiras é o mesmo que alimentou ideologicamente Oliveira Salazar e que durante muitos anos foi conhecido pelo cavaquistão. O país não está a ser governado pela troika, pode obedecer a um programa que tem como ponto de partida o memorando com a troika, mas hoje o programa é o do Gaspar e a inspiração ideológica é da avó Prazeres.
Foi a avó Prazeres que ensinou a Vítor Gaspar que “todos Deus conferiu um dom que, chegado o dia, será posto ao serviço para procurar o ‘bem comum’”. Gaspar justifica o pesado sacrifício a que se sujeita como o cumprir a vontade da avó de obedecer a uma determinação divina. Um discurso muito semelhante ao de Salazar que na posse como ministro das Finanças dizia ao então presidente do conselho: “Não tem que agradecer-me ter aceitado o encargo, porque representa para mim tão grande sacrifício que por favor ou amabilidade o não faria a ninguém. Faço-o ao meu País como dever de consciência, friamente, serenamente cumprido.”.
Tal como Gaspar se exonera das suas responsabilidades nas opções de política económica afirmando que “Os portugueses não culpam os outros pelos seus problemas nem esperam que sejam os outros a vir resolvê-los. Sabemos onde estamos e o que queremos fazer”, também Salazar no seu discurso de posse e antes de se saber o que iria ser a sua política já dizia que “pouco mesmo se conseguiria se o País não estivesse disposto a todos os sacrifícios necessários e a acompanhar-me com confiança na minha inteligência e na minha honestidade – confiança absoluta mas serena, calma, sem entusiasmos exagerados nem desânimos depressivos”.
Desconhecemos como se chamava a avó de Salazar, mas podia muito bem ter sido uma Prazeres, não sabemos se as duas avós eram parecidas, mas o facto é que deram ao mundo netos muito semelhantes.