Os ataques que estão a dirigir ao Sócrates fazem lembrar os
homicidas que possuídos por um qualquer problema de ordem mental continuam a
dar facadas na vítima muito depois de morto. É triste ver jornais a dedicar
diariamente as suas capas a José Sócrates, magistrados a fazerem figuras
tristes e até um “p”residente a revelar ser incapaz de cumprir o mandato
presidencial a pensar no país.
Aquilo a que assistimos ultrapassa em muito o normal em política,
nem mesmo Salazar ou Caetano enfrentaram este exorcismo permanente por parte
dos seus adversários, talvez porque apesar de tudo quanto fizeram ao país e aos
seus opositores, beneficiaram da dignidade destes.
Mas não estamos perante assassinos primários, é gente de
alto gabarito, directores de jornais, magistrados com décadas de experiência e
governantes com mais de vinte anos no activo. Poderão estar a actuar possuídos
de alguma irracionalidade e condicionados por ódio ou vingança, mas é gente
inteligente e calculista demais para que se possa imaginar que actuam de forma
irreflectida.
A verdade é que têm medo, pela primeira vez tiveram um político
que não lhes ia comer à mão, que pôs um “p”residente da República no lugar, que
ousou mandar os jornalistas à merda, que fez uma impensável redução dos três
meses de férias judiciais. Cavaco queria ficar na história e luta agora por uma
entrada numa mera nota de rodapé, os magistrados estavam convencidos que eram
sacerdotes e sentiram-se despromovidos a sacristães, os jornalistas deixaram de
sentir poder absoluto sobre um governo.
O medo que têm de José Sócrates é tanto que mesmo quando é óbvio
que é o próprio a não querer voltar a aturá-los não se sentem seguros, e porque
receiam que o diabo as teça querem certificar-se de que eliminam politicamente
o ex-primeiro-ministro. Só de pensarem no seu regresso sentem pesadelos.
Não se sentem seguros do que fizeram e, com muita razão,
olham, para Sócrates como a cobra que deve ser morta depois de pisada, sentem
medo. O ataque feito a Sócrates diz muito da consciência intranquila de muita
gente e da sua cobardia, percebem que é mais fácil destruir Sócrates enquanto
este não reage do que depois de o país ter ido à bancarrota e ser forçado a
pedir um segundo resgate ou, o que é cada vez mais provável, recorrer à
reestruturação da dívida.
Nessa altura terão de explicar muita coisa, terão de
convencer os portugueses de que pensavam neles quando conduziram o país a uma
crise profunda, terão de explicar ao país o que este ganhou gastando milhões em
processos judiciais manhosos, como o agora lançado por alguns sindicalistas da
treta. Este atasque desnorteado a Sócrates não é nem justiça, nem coragem, é
medo, cobardia e uma tentativa desesperada de encobrir a responsabilidade de
muito boa gente no subdesenvolvimento do país.
Não é Sócrates que esta gente persegue e pretende eliminar, é
a memória, o receio de virem a ser confrontados com o passado recente, de terem
de justificar aos portugueses muitas mordomias e enriquecimento fácil à custa
do país.