Há qualquer coisa de errado na alegria demonstrada por algumas personalidades em relação aos grandiosos sucessos alcançados. António Borges, aquele que até há um par de semanas era o mais luxuoso dos desempregados portugueses e a negação da solução da emigração, fica espantado com a rapidez com que os portugueses foram empobrecidos, sem que se tenham queixado. O governo com Gaspar à cabeça não se cansa de se auto-elogiar pelo sucesso do ajustamento, em pouco mais de um ano parece que está equilibrada a balança comercial.
O problema do Borges e do Gaspar é que não se questionam nem sobre as causas, nem sobre as consequências deste sucesso inesperado. Talvez agora que o Borges é administrador das mercearias do empresário holandês saiba que os portugueses estão a passar fome e que esta nem sempre é boa conselheira. Aliás, é quase ridículo ver alguém que completa o rendimento de que aufere por desempenhar funções públicas com uma gorjeta a título de administrador não executivo de um grupo privado sem perceber aí qualquer conflito, ficar tão feliz porque outros passam fome e ficam calados. É preciso lata, coisas que, aliás, este António Borges sempre teve com fartura.
O governo anda tão feliz com o ajustamento forçado das contas externas que quase sentimos vergonha em lembrar-lhe que ao contrário do que sucedeu nas duas vezes que pedimos ajuda ao FMI desta vez o problema não foi alta de divisas. É verdade que o desequilíbrio da balança comercial é o grande mal da nossa economia, mas não foi por isso que pedimos ajuda, foi por não termos um tostão na tesouraria. Se isto fosse a China do António Mexia o excedente na Balança de Transacções Correntes seria uma excelente notícia para o ministro das Finanças. Mas como não pode expropriar os exportadores esse dinheiro de pouco lhe vale, a não ser daqui a mais um ano, quando receber uns trocos em IRC.
Este sucesso inesperado acaba por ser a negação das políticas do Gaspar. Se o país aumentou em mais de 7% as suas exportações isso significa que os exportadores não precisaram de cortes de feriados, de cortes salariais, de horas de trabalho escravo ou de despedimentos facilitados para serem competitivos. Na verdade não precisaram em do Álvaro nem de mariquices económico-diplomáticas para usarem a capacidade produtiva instalada e aumentarem exponencialmente as exportações.
Se as empresas que dependem do mercado externo estão sobrevivendo, o mesmo não se pode dizer das que dependem de facto das políticas governamentais, essas estão morrendo e com elas morre toda e qualquer esperança de o Estado equilibrar as suas contas. O aumento brutal do desemprego e a asfixia artificial das empresas que produzem para o consumo interno terá como principal consequência o aumento das despesas sociais do Estado e uma redução acentuada das receitas fiscais.
Este ajustamento forçado da balança comercial poderá ser considerado positivo numa perspectiva de médio prazo, mas a curto prazo significa um segundo pedido de ajuda, senão mesmo a necessidade de reestruturar a dívida. Este é um modelo extremamente vulnerável à situação económica dos nossos parceiros e à evolução do preço do petróleo. E nada garante que as importações não voltem a disparar depois de um período de contenção, até porque as exportações implicarão um aumento da importação de matérias-primas e o discurso optimista do governo resultará no aumento do consumo de bens importados por parte dos que se escaparam á sua estratégia de empobrecimento forçado, os Catrogas, os Borges e as Cardonas deste país.