Os portugueses têm muitas designações para os que recebem
sem trabalhar e por isso vivem à custa do trabalho alheio, mas para não
ofendermos muitas das nossas mais dignas personalidades vamos designá-los
genericamente por gorjeteiros, gente que recebe gorjetas. A designação é
elogiosa pois, em regra, a gorjeta costuma ser um prémio por um trabalho
realizado, costumam dar-se gorjetas a taxistas, empregados de mesa, porteiros
dos hotéis, etc., no caso dos administradores não executivos não é muito
correcto falar em gorjeta, estamos mais próximos do conceito de proxenetismo,
mas chamar chulos ou proxenetas à nata da nossa sociedade poderia acarretar
consequências desagradáveis. Se lhe chamarmos gorjeteiros não poderão ficar
ofendidos, significa que lhes pagaram a troco de terem feito alguma coisa.
Num país onde tanto se fala em reduzir custos às empresas,
em produtividade e onde são os governantes que adoptam leis laborais que são
uma insinuação de que os trabalhadores portugueses são uns malandros, é
estranho que quase diariamente haja notícia de mais um sortudo nomeado para o trabalhoso
cargo de administrador não executivo. Ainda ontem o sortudo do dia foi António
Borges, na semana passada a vedeta das notícias foi Teixeira dos Santos, um
senhor que devia estar no Guineess como campeão mundial dos erros de previsão.
O engraçado é que a gorjeta já ganhou estatuto de instituição,
quando um ministro das Finanças apadrinha uma gorjeta não porque lhe carregaram
a mala até ao quarto, mas porque um velho adversário político decidiu fazer
aquilo que nas escolas se designa pró dar graxa a gorjeta ganha honras de
direito inalienável. Basta lamber os ditos ao governo, ter sido ministro de
qualquer coisa, ter servido a Goldman Sachs ou exibir um qualquer outro facto
digno de uma condecoração presidencial para que a chamada “mão cheia de figos”
signifique um lugar de administrador não executivo. Se a obra foi ao serviço da
nação vai-se para uma empresa pública ou vendida pelo Estado aos chineses, se o
percurso foi ao serviço do capital ingressa-se numa empresa privada.
O ridículo da situação está no facto de já aparem banqueiros
a invocar a competência dos beneficiários das gorjetas como argumento para as
poderem receber em empresas do Estado. Foi o que sucedeu com o desastre das previsões,
o Ricardo Salgado veio defender a sua nomeação porque o senhor sabe muito de
finanças. Como se para receber uma transferência electrónica da gorjeta os
portugueses não fossem todos altamente sabedores de finanças!
Para uns há nacos de horas, cortes de feriados, cortes de
subsídios e desemprego, para outros
criam-se vagas de administrador não executivos ou órgãos de gestão empresariais
para alimentar uma classe de gandulos que circula à volta do poder e que
enriquece à custa da cada vez menos riqueza que o país cria e divide. Receber
sem trabalhar em tempos de bancarrota devia ser motivo de vergonha, mas a
insensibilidade é tanta que se exibem os gorjeteiros na praça públic como se
fossem grandes exemplos.