Um dos aspectos mais deploráveis da classe política
portuguesa é a forma como protege os chamados vira-casaca, muda-se da
extrema-esquerda para o PS, do PCP para o PSD e até do PS para o PSD numa total
impunidade e, como se viu na semana passada, se a traição for significativa
ainda se pode ganhar um lugar numa empresa pública.
Não está em causa a possibilidade de alguém mudar de opinião,
o que parece ser questionável é que num dia se defenda um regime comunista e
pouco tempo depois se apareça como deputado do PSD ou mesmo como líder
parlamentar daquele partido. Os partidos que deveriam rejeitar os traidores
optam por procurar adquirir e exibi-los como se fossem os cromos mais preciosos
de uma colecção.
Como se sentirão os muitos militantes de um partido que ao
longo de muitos anos de militância dão o melhor de si sem pedir nada em troca e
quando o seu partido está no poder vêm alguém mudar de barricada a troco de um
tacho bem remunerado?
O recente caso de Teixeira dos Santos roçou o ridículo mas
infelizmente não é o único, todos os partidos estendem passadeiras vermelhas
para receberem os novos militantes ilustres. Como aceitar que alguém que teve
as mais altas responsabilidades num governo, que meses antes de abandonar o
cargo esteve em campanha, aparece de um dia para o outro com o estatuto de
arrependido e por isso merece um tacho bem remunerado?
Esta forma de actuação da classe política e, em particular,
do governo revela uma total ausência de princípios e de valores e, mais grave
do que isso, uma falta de respeito pelos portugueses.
Como se sentirão os muitos portugueses que não têm nada de
que se arrepender, que não têm um partido para trair e que todos os dias vivem
com o pouco que têm quando sabem que uma qualquer personagem da classe política
recebe uma generosa gorjeta só porque fez o frete de elogiar o ministro que o
substituiu?
O problema do país não é apenas financeiro e a crise
financeira dificilmente será superada numa perspectiva de longo prazo enquanto
a classe política não perceber que pior do que a crise financeira é a crise de
valores, uma crise de princípios que permitiu a uma elite de oportunista e de
grupos corporativos o enriquecimento fácil à custa dos recursos do país.
Com exemplos como o referido que valores podemos ensinar aos
nossos filhos? Vamos dizer-lhes para criarem um sindicato oportunista e que
derrubem os governos que não lhes garantam as mordomias? Vamos ensiná-los a
singrar nos partidos e a encontrarem um político empresário que lhes garanta
emprego e sucesso político? Vamos convencê-los de que é mais fácil singrar na
vida e chegar à administração de uma empresa lambendo as botas alheias?
Com gente educada nestes valores não há país que sobreviva,
talvez o Relvas e o Passos Coelho tenham razão, com um país de gentes desta o
melhor é emigrar, de preferência para longe e sem bilhete de regresso.